terça-feira, maio 02, 2006



Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento –
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira- rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis

2 comentários:

Anónimo disse...

Ricardo Reis, o génio das sensações leves, do não-envolvimento...Enfim, o poeta da ataraxia.
Neste poema, é bem visível a vertente epicurista do poeta.
O epicurismo é uma escola filosófica da Grécia Antiga fundada por Epicuro. Esta escola caracteriza-se essencialmente por defender que o prazer deve ser moderado, não se deve viver com muita emoção e com muitos excessos, para no futuro não sofrer consequências.
Assim, os epicuristas têm consciência do momento presente e este deve ser vivido com a máxima calma.
Verifica-se, então, que o epicurismo e o Carpe Diem de Horácio têm algo em comum.
Desta forma, este poema ilustra bem o que referi acima; constata-se que o poeta dá uma lição de vida ao leitor, alerta-o para a efemeridade da vida (e por isso, deve viver segundo modos de vida tranquilos, sem agitação) e isto faz com que ele não tenha dor, porque não há envolvimento.
O poeta acredita que o verdadeiro prazer consiste na ausência do sofrimento.
Não posso deixar de pronunciar que o poema é bastante interessante, remete-nos para um modo de vida simpático, mas que comigo não dava muito resultado ( LOOL.. E tu sabes porquê =)
Continua a postar poemas, I love it!

Beijo grande da tua Fá*
Love you@@**

Nettwerk van Helsing disse...

Inda prefiro o Álvaro.